Editorial

Orçamento (quase) secreto

Quando quer - e principalmente quando tem seus interesses colocados à prova - o Congresso Nacional do Brasil é inquestionavelmente um dos mais ágeis e eficientes do mundo. Da noite para o dia aprova ou rejeita complexos relatórios cujas tramitações não raro se arrastam por anos na Câmara ou do Senado. Veta ou aprova projetos que possam interferir nas relações de poder frente a Executivo ou Judiciário. Na sexta-feira, mais um destes episódios de celeridade e produtividade foi protagonizado pelo Legislativo.

Ante a pressão por conta das chamadas emendas de relator, conhecidas como orçamento secreto, pressão esta que ganhou força desde o período eleitoral e a enxurrada de reportagens mostrando a forma pouco republicana como o uso destas verbas é definido, deputados e senadores decidiram se mexer. Votaram em velocidade surpreendente projeto de resolução que modifica os critérios de distribuição do dinheiro. A partir da nova regra aprovada por ampla maioria (328 a 66 na Câmara e 44 a 20 no Senado), foi concedido ao povo brasileiro um pouco de transparência sobre esta generosa fatia dos recursos públicos que vinham sendo usados à sombra. A ideia é que, agora, toda verba contenha informação sobre para onde foi e quem mandou - o mínimo que a sociedade espera. Além disso, somente os parlamentares, devidamente e publicamente identificados, farão a destinação, acabando com o verdadeiro balcão que existia nos corredores do Congresso, onde prefeitos, secretários municipais, assessores e até entes privados formavam filas para eles próprios indicarem quanto queriam que seus municípios recebessem.

O que seria aparente boa notícia, no entanto, é apenas uma pequena concessão dos parlamentares. A cedência de alguns anéis para não perderem os dedos - e outras joias muito valiosas. Na prática, segue nas mãos de alguns poucos deputados e senadores o poder de escolher o que fazer com R$ 19,4 bilhões do apertado orçamento federal. Isso porque, mesmo que 80% do valor seja reservado a uma divisão entre todos os congressistas segundo os tamanhos das bancadas, caberá aos presidentes dos partidos o aval. Em última instância, os líderes partidários dirão para onde vai o dinheiro. E, como se sabe, nessa hora critérios técnicos, que resultem em algo útil, efetivo e duradouro, são a última preocupação.

Como bem lembrou a ministra Rosa Weber, do STF, em seu voto no julgamento da constitucionalidade destas emendas, iniciado semana passada, as emendas de relator violam princípios básicos como impessoalidade, publicidade e eficácia da administração pública.

As emendas são, na verdade, instrumentos para benefícios pessoais ou políticos. Antes, secretos. Agora, menos escondidos.​

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